Fica aqui uma pérola da música portuguesa.
Jorge Palma - Encosta-te a Mim
Encosta-te a mim,
nós já vivemos cem mil anos
encosta-te a mim,
talvez eu esteja a exagerar
encosta-te a mim,
dá cabo dos teus desenganos
não queiras ver quem eu não sou,
deixa-me chegar.
Chegado da guerra,
fiz tudo p´ra sobreviver em nome da terra,
no fundo p´ra te merecer
recebe-me bem,
não desencantes os meus passos
faz de mim o teu herói,
não quero adormecer.
Tudo o que eu vi,
estou a partilhar contigo
o que não vivi, hei-de inventar contigo
sei que não sei, às vezes entender o teu olhar
mas quero-te bem, encosta-te a mim.
Encosta-te a mim,
desatinamos tantas vezes
vizinha de mim, deixa ser meu o teu quintal
recebe esta pomba que não está armadilhada
foi comprada, foi roubada, seja como for.
Eu venho do nada porque arrasei o que não quis
em nome da estrada onde só quero ser feliz
enrosca-te a mim, vai desarmar a flor queimada
vai beijar o homem-bomba, quero adormecer.
Tudo o que eu vi,
estou a partilhar contigo o que não vivi,
um dia hei-de inventar contigo
sei que não sei, às vezes entender o teu olhar
mas quero-te bem, encosta-te a mim
Jorge Palma
sexta-feira, 29 de agosto de 2008
quarta-feira, 27 de agosto de 2008
Um ano de blog
Hoje comemoro um ano que comecei este blog Minhas Vidas.
Neste ano consegui escrever menos do que gostaria.
Mas o pouco que escrevi serviu para exorcizar meus demónios.
É muito bom poder falar sem censura, pensando que poucas pessoas terão acesso os meus posts.
O balanço deste primeiro ano é positivo.
Acredito que este canal é de todo uma aventura literária, que permita a expressão de todas os meus sentimentos.
Agradeço a paciência dos leitores, que por muitas vezes voltam a procura de novos posts e percebem que não sou de toda assídua, que não tenho regras e nem disciplina e ainda assim voltam aqui.
A estes poucos e bons leitores dedico estas linhas e digo OBRIGADO.
segunda-feira, 25 de agosto de 2008
Sobre a (in) felicidade
Alguns (muitos) compositores falam que a inspiração deriva da infelicidade.
Que só as situações difíceis é que motivam os autores, por isso tantas músicas de amores rompidos, traíções, etc.
Eu pessoalmente concordo, analisando os posts do meu blog, na maioria das vezes são as tristezas da vida que me fazem escrever, que me motivam a falar sobre os acontecimentos.
Concluído isso fui a net buscar algum texto que, de alguma maneira, dissesse isso de um jeito mais científico, e achei essa matéria no site da Revista Época, uma entrevista super interesssante com o respeitado filósofo francês André Comte-Sponville.
No Brasil seus livros mais conhecidos são: Pequeno Tratado das Grandes Virtudes, Tratado do Desespero e da Beatitude e Felicidade, Desesperadamente.
A consolação da filosofia
ÉPOCA - O senhor afirma que todos os homens sem exceção procuram ser felizes e cita Pascal, em seus Pensamentos (1670): "A busca da felicidade é o motivo de todas as ações de todos os homens, inclusive dos que vão se enforcar". Para a maior parte da humanidade, essa busca não seria vã?
André Comte-Sponville - Tudo depende do que se entende por felicidade. Se você busca uma alegria contínua e soberana, ou mesmo a ausência total de sofrimento e angústia, certamente nunca será feliz. "Toda vida é sofrimento", dizia Buda. E tinha razão. A felicidade, se a entendemos como uma alegria completa, é apenas um sonho, que nos separa do contentamento verdadeiro. Em busca da felicidade absoluta, nós nos proibimos de viver as felicidades relativas e nos tornamos infelizes. Se, ao contrário, você entender como felicidade o fato de não ser infeliz ou simplesmente de poder desfrutar algumas alegrias, a felicidade não é impossível. E você será feliz somente por não ser triste. À exceção, claro, nos momentos mais difíceis da vida.
ÉPOCA - Qual é sua definição de felicidade na vida cotidiana?
Comte-Sponville - Todo lapso de tempo durante o qual a satisfação parece imediatamente possível. Não há como se sentir alegre permanentemente. Isso é impossível. Mas há como sentir que podemos ser felizes por nós mesmos, sem que nada de essencial mude no mundo. A infelicidade se instala quando nossas alegrias dependem totalmente de circunstâncias externas.
ÉPOCA - O senhor é feliz?
Comte-Sponville - Sim. Não tenho grande mérito nisso. Vivo com uma mulher que amo e que me ama, tenho três filhos com saúde, trabalho no que me dá prazer, meus livros são bem-sucedidos. Em resumo, tenho muita sorte. É preciso sempre ter um pouco de sorte para ser feliz. Mas também é preciso amar a vida, mesmo quando ela é difícil e angustiante. Consigo ser um pouco assim, cada vez mais graças à filosofia.
ÉPOCA - O senhor associa a felicidade à sabedoria. Os ingênuos e os ignorantes seriam então condenados a ser infelizes? Há quem diga que saber demais pode nos levar à angústia ou a um sentimento de impotência.
Comte-Sponville - Existem imbecis felizes e gênios infelizes. Mas a sabedoria é algo distinto da genialidade. Tampouco tem a ver com desatino ou tolice. A sabedoria é, sim, um certo tipo de felicidade. Mas nada tem a ver com a felicidade ilusória, conseguida por drogas ou pela ignorância. A sabedoria é a felicidade dentro da verdade. É o máximo de felicidade associado ao máximo de lucidez. Essa é a meta da filosofia. Nesse caminho, há muitas ilusões a perder e algumas verdades desagradáveis a confrontar. É por isso que a filosofia passa inevitavelmente pela angústia, pela dúvida, pela desilusão. Continua sendo apenas um caminho. Porque o destino é uma felicidade autêntica. É isso que chamamos de sabedoria.
ÉPOCA - E a infelicidade, como ela se revela na vida real?
Comte-Sponville - Quando toda alegria parece impossível, quando acordamos pela manhã sem outra perspectiva a não ser a angústia, a tristeza ou o sofrimento...Eu vivi isso. Perdi duas das pessoas que mais amava no mundo: minha única filha na época e, em seguida, minha mãe. No início, só há o horror e as lágrimas. Com o tempo, a paz retorna, em seguida a alegria. E por isso digo, por oposição, que a felicidade também existe. Como é bom deixar de se sentir infeliz!
ÉPOCA - Como a filosofia pode ajudar alguém a viver feliz?
Comte-Sponville - Filosofar é pensar sua vida e viver seu pensamento. Em que medida isso pode nos aproximar da felicidade? Ficando mais perto da verdade, nós nos libertamos de várias ilusões e esperanças tolas. Isso nos ajuda a amar a vida mais do que amar a felicidade, a verdade mais do que a fantasia, o amor mais do que a fé ou a esperança. Os maiores mestres são, a meu ver, Epicuro (de Samos, filósofo grego dos séculos IV e III a.C.), (Michel) Montaigne (filósofo francês do século XVI) e (Baruch) Spinoza (filósofo holandês do século XVII). Quanto a mim, já me expliquei longamente em meu Tratado do Desespero e da Beatitude e, de maneira mais resumida, em Felicidade, Desesperadamente.
ÉPOCA - A religião pode dar ilusão de felicidade? A fé seria um antídoto à tristeza?
Comte-Sponville - Isso depende de quem tem fé. Se você acredita que a felicidade eterna o aguarda após a morte, isso pode ajudar a suportar em vida a infelicidade...Como sou ateu, vejo nisso mais uma armadilha que uma tentação. Não vou esperar morrer para ser feliz. O fato de, para mim, nada existir após a morte é um motivo a mais para viver da melhor maneira possível. É o que chamo de desespero alegre. Existe uma vida antes da morte, e é a única que importa.
ÉPOCA - A "felicidade que nasce da verdade" foi recomendada por Santo Agostinho (filósofo e teólogo que viveu nos séculos IV e V) como o caminho para a beatitude. Para um ateu como o senhor, o conceito de beatitude tem outro significado?
Comte-Sponville - Não. A definição me convém perfeitamente. Mas não é um caminho para a beatitude. É a própria beatitude. Ela é a felicidade dentro da verdade e, portanto, também dentro da eternidade. Toda verdade é eterna. Mas não é uma eternidade após a morte. É a eternidade presente ou o presente eterno. Spinoza, nesse aspecto, é mais esclarecedor que Santo Agostinho.
ÉPOCA - O senhor se tornou ateu aos 18 anos, após uma confessada desilusão com Deus. Disse, na época: "Uma das raras certezas que eu tenho é que Deus jamais me disse algo". Poderia nos contar como se passou sua conversão ao ateísmo?
Comte-Sponville - Foi em 1970. Por que perdi a fé? Sem dúvida por duas razões principais: a política e a filosofia. A paixão política, naquela época, era tudo. Comparando com a política, a religião me despertava bem menos interesse. Deus deixou de me atrair. Em seguida, parei de crer. Simultaneamente, descobri a filosofia, nos meus estudos, e os argumentos em favor do ateísmo me pareciam definitivamente mais fortes que os argumentos pró-religião. Continuo a refletir sobre o tema. Eu me explico melhor em meu livro mais recente, que acaba de ser editado na França: O Espírito do Ateísmo (Introdução a uma Espiritualidade sem Deus).
ÉPOCA - Os céticos não seriam mais suscetíveis à depressão ou ao tédio?
Comte-Sponville - Freud é sem dúvida quem melhor respondeu a essa questão. A depressão ou a melancolia, escreveu ele, "é a perda da capacidade de amar". Não é a fé que falta aos deprimidos, é o amor.
ÉPOCA - O senhor diz que, para o filósofo, uma tristeza autêntica vale mais que uma felicidade mentirosa. Não seria perigoso consagrar o coração à melancolia?
Comte-Sponville - O filósofo prefere a alegria à tristeza, como todo mundo. Mas ele coloca a verdade num patamar mais alto que todo o resto. Isso não quer dizer que seu objetivo seja a infelicidade. É preciso sempre ter coragem para enfrentar a melancolia ou a tristeza quando surgem. É o único caminho.
ÉPOCA - Seus livros nos incitam à ação, a uma busca engajada. A felicidade seria revolucionária?
Comte-Sponville - Não podemos confundir sabedoria e política. Existem sábios de esquerda e de direita. O que eles têm em comum é desejar o que depende deles próprios, em vez de desejar o que depende dos outros. A sabedoria está muito mais do lado da vontade que da esperança, mais próxima da ação que da fé. O sábio é um homem de ação. É o oposto de um sonhador ou de um utópico, o inverso de um espírito submisso ou passivo. s
ÉPOCA - Hoje, é mais difícil encontrar a felicidade que no tempo dos gregos antigos?
Comte-Sponville - Não. Hoje é mais fácil. Pelo menos nos países desenvolvidos, para quem não sofre com miséria, violência e doença. É difícil ser feliz quando se tem fome ou se é escravo ou oprimido. Era o que acontecia nos tempos de Epicuro com a maior parte das pessoas. Devemos parar de idealizar o passado e de execrar o presente. A humanidade, nos últimos 24 séculos, fez progressos consideráveis. Cabe a nós contribuir para que continue assim. Dito isso, não acho positivo que o ser humano se torne um escravo da sociedade de consumo, associando seu grau de felicidade ao valor de seus bens e propriedades.
ÉPOCA - Por que o senhor usa "o desespero" e "a falta de esperança" como sinônimos? Não haveria mais alegria na esperança que no desespero?
Comte-Sponville - Tomo a palavra "desespero" em seu sentido literal: a perda da esperança, que é dolorosa, ou a ausência da esperança, que pode se tornar o núcleo propulsor da felicidade. Nesse sentido, o desespero não é infelicidade, muito ao contrário. Enquanto se espera a felicidade, não se é feliz. Quando somos felizes, não há mais nada a esperar. O que chamei de "desespero feliz" se aproxima do que (o filósofo alemão Friedrich) Nietzsche [1844-1900] considerava "um saber feliz": é alegrar-se com o que é, e não esperar o que não é. Conhecer, mais que crer. Amar e agir, mais que esperar e temer. É a sabedoria dos estóicos e de Spinoza, mas também de Buda, no Oriente.
ÉPOCA - Viver o presente ou viver melhor o presente seria, segundo o senhor, a atitude mais positiva em direção à felicidade. Qual a relação entre o budismo e sua filosofia de vida?
Comte-Sponville - Não sou budista e não acredito na reencarnação. Mas Buda me parece um dos grandes mestres espirituais da humanidade: o mestre da desilusão e da liberdade.
ÉPOCA - Devemos deixar de lado o desejo para viver melhor o presente?
Comte-Sponville - Não, de jeito nenhum! Recusar o desejo é morrer. Deve-se, isso sim, desejar o presente com todas as forças. Quando você faz amor, o que deseja: o orgasmo que está por vir, ou o ato de fazer amor, aqui e agora? Se é orgasmo o que você deseja, a masturbação é o meio mais rápido. Mas, quando se faz amor, o bom é fazer, aqui e agora, e não desejar nada além do tempo presente que nos absorve por completo.
ÉPOCA - A esperança nos impede de ser felizes? Por quê?
Comte-Sponville - Porque só esperamos o que não temos. E porque não existe esperança sem crença, como dizia Spinoza. Ser feliz é desejar o que temos, ou o que é. Esperar é ter medo. Ser feliz é ser sereno.
ÉPOCA - Qual é o papel do amor na busca da felicidade?
Comte-Sponville - Crucial. O conteúdo da felicidade é a alegria. Não há alegria maior que amar. Amar é contentar-se com o que existe. A única felicidade está dentro da verdade.
ÉPOCA - A consciência da morte como fim de tudo, sem uma viagem futura ao paraíso ou ao inferno, não torna os homens mais ansiosos em ser felizes?
Comte-Sponville - Mais ansiosos não, porém mais impacientes. E isso é bom. A vida é curta. Não há tempo a perder!
ÉPOCA - O senhor diz que a felicidade não é um ânimo absoluto, mas um movimento, um equilíbrio instável e frágil que se deve cultivar incessantemente. Como podemos preservar a felicidade?
Comte-Sponville - Renunciando a sua perenidade, aceitando sua fragilidade. Admitindo que a felicidade é fugaz. Adaptando seus desejos às adversidades da existência, amando a vida e o amor.
ÉPOCA - "Quando se aprende a viver já é tarde demais", uma citação do poeta Louis Aragon (1897-1982) em seu livro. Só se é feliz na maturidade? Comte-Sponville
- Não há idade para a felicidade nem para a tristeza.
ÉPOCA - O escritor André Gide (Nobel de Literatura em 1947) dizia querer morrer "completamente desesperado". Como o senhor gostaria de morrer?
Comte-Sponville - Bem velho, rapidamente, de repente, como se não houvesse nenhuma causa aparente.
ÉPOCA - O senhor tem algo a dizer a quem quer desesperadamente ser feliz em 2007?
Comte-Sponville - Preocupe-se menos com a própria felicidade e um pouco mais com a dos outros. Espere um pouco menos. Ame e aja um pouco mais.
terça-feira, 19 de agosto de 2008
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