
"Um homem não se sente totalmente privado dos bens aos quais nunca sonhou aspirar, mas
fica muito satisfeito mesmo sem eles, enquanto outro que possua cem vezes mais do que
o primeiro sente-se infeliz quando lhe falta uma única coisa que tenha desejado. A esse respeito, cada um tem também um horizonte próprio daquilo que lhe é possível atingir, e as suas pretensões têm uma extensão semelhante a esse horizonte. Quando determinado objecto, situado dentro desses limites, se lhe apresenta de modo que o faça acreditar na possibilidade de alcançá-lo, o homem sente-se feliz; em contrapartida, sentir-se-à infleliz quando eventuais dificuldades lhe tirarem tal possibilidade. Tudo o que estiver situado externamente a esse campo visual não agirá de forma alguma sobre ele. Por esse motivo, as grandes propriedades dos ricos não perturbam o pobre, e, por outro lado, para o rico cujos propósitos tenham fracassado, serve de consolo as muitas coisas que já possui. (A riqueza assemelha-se à água do mar; quanto mais dela se bebe, mais sede se tem. O mesmo vale para a glória).
O facto de que o nosso humor habitual não resulte muito diferente do anterior após a perda de uma riqueza ou do bem-estar, tão logo tenha sido superada a primeira dor, depende, por sua vez, do facto de nós mesmos, segundo a diminuição do limite constituído pelas nossas posses por obra do destino, diminuímos na mesma medida o limite das nossas pretensões. Esta operação é justamente o elemento doloroso em si, devido a uma desgraça: depois que ela se cumpre, a dor diminui sempre mais, até não ser mais sentida: a ferida cicratiza-se. Ao contrário, num caso feliz, aquilo que comprime as nossas aspirações é aliviado, e elas expandem-se: nisso está a alegria. No entanto, ela também dura apenas até o momento em que tal operação se realiza totalmente: nós habituamo-nos à ampliação dos nossos desejos e tornamo-nos indiferentes à posse correspondente. A fonte da nossa insatisfação reside nas nossas tentativas, continuamente renovadas, de aumentar o limite constituído pelas pretensões, enquanto o outro factor, que o impede, permanece imutável."
Arthur Schopenhauer, in 'A Arte de Ser Feliz'
Arthur Schopen (Danzig, 22 de Fevereiro 1788 — Frankfurt, 21 de Setembro 1860) foi um filósofo alemão do século XIX da corrente irracionalista. Sua obra principal é O mundo como vontade e representação, embora o seu livro Parerga e Paraliponema (1851) seja o mais conhecido. Schopenhauer foi o filósofo que introduziu o Budismo e o pensamento indiano na metafísica alemã. Ficou conhecido por seu pessimismo e entendia o Budismo como uma confirmação dessa visão. Schopenhauer também combateu fortemente a filosofia hegeliana e influenciou fortemente o pensamento de Friedrich Nietzsche.
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