terça-feira, 26 de fevereiro de 2008
O Desejo e a Posse
"Um homem não se sente totalmente privado dos bens aos quais nunca sonhou aspirar, mas
fica muito satisfeito mesmo sem eles, enquanto outro que possua cem vezes mais do que
o primeiro sente-se infeliz quando lhe falta uma única coisa que tenha desejado. A esse respeito, cada um tem também um horizonte próprio daquilo que lhe é possível atingir, e as suas pretensões têm uma extensão semelhante a esse horizonte. Quando determinado objecto, situado dentro desses limites, se lhe apresenta de modo que o faça acreditar na possibilidade de alcançá-lo, o homem sente-se feliz; em contrapartida, sentir-se-à infleliz quando eventuais dificuldades lhe tirarem tal possibilidade. Tudo o que estiver situado externamente a esse campo visual não agirá de forma alguma sobre ele. Por esse motivo, as grandes propriedades dos ricos não perturbam o pobre, e, por outro lado, para o rico cujos propósitos tenham fracassado, serve de consolo as muitas coisas que já possui. (A riqueza assemelha-se à água do mar; quanto mais dela se bebe, mais sede se tem. O mesmo vale para a glória).
O facto de que o nosso humor habitual não resulte muito diferente do anterior após a perda de uma riqueza ou do bem-estar, tão logo tenha sido superada a primeira dor, depende, por sua vez, do facto de nós mesmos, segundo a diminuição do limite constituído pelas nossas posses por obra do destino, diminuímos na mesma medida o limite das nossas pretensões. Esta operação é justamente o elemento doloroso em si, devido a uma desgraça: depois que ela se cumpre, a dor diminui sempre mais, até não ser mais sentida: a ferida cicratiza-se. Ao contrário, num caso feliz, aquilo que comprime as nossas aspirações é aliviado, e elas expandem-se: nisso está a alegria. No entanto, ela também dura apenas até o momento em que tal operação se realiza totalmente: nós habituamo-nos à ampliação dos nossos desejos e tornamo-nos indiferentes à posse correspondente. A fonte da nossa insatisfação reside nas nossas tentativas, continuamente renovadas, de aumentar o limite constituído pelas pretensões, enquanto o outro factor, que o impede, permanece imutável."
Arthur Schopenhauer, in 'A Arte de Ser Feliz'
Arthur Schopen (Danzig, 22 de Fevereiro 1788 — Frankfurt, 21 de Setembro 1860) foi um filósofo alemão do século XIX da corrente irracionalista. Sua obra principal é O mundo como vontade e representação, embora o seu livro Parerga e Paraliponema (1851) seja o mais conhecido. Schopenhauer foi o filósofo que introduziu o Budismo e o pensamento indiano na metafísica alemã. Ficou conhecido por seu pessimismo e entendia o Budismo como uma confirmação dessa visão. Schopenhauer também combateu fortemente a filosofia hegeliana e influenciou fortemente o pensamento de Friedrich Nietzsche.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário